Por Glauco Alexander Lima
Hoje em dia, quando se fala em programas estatais de transferência de renda, inclusão humana e assistência social, o que vem logo à mente da maioria são programas como o Bolsa Família, Farmácia Popular e outras marcas consolidadas, principalmente, desde o primeiro mandato do Presidente Lula.
Mas pouca gente fala do poder inclusivo e socialmente benéfico de instrumentos que estão aí, desde a primeira metade do século 20, reduzindo sofrimentos e melhorando um pouco a vida de milhões de famílias.
Esses instrumentos são os direitos trabalhistas, como o décimo terceiro salário, férias remuneradas, horas extras e tantas conquistas, que fizeram a transição de um Brasil cruelmente escravocrata para o caminho do estado de direitos e deveres, tanto para quem vende a força de trabalho , como para quem a compra.
Esse alerta é muito oportuno quando se vê cada vez mais a chamada CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, sendo tratada como algo nocivo, atrasado e desprezível. A CLT, que surgiu justamente para romper com 350 anos de escravidão de seres humanos negros no Brasil, a a ser atacada como forma de escravidão.
Trata-se de mais uma dessas aberrações destes tempos insanos de disseminação louca de teorias da conspiração, fake news, distorções e ilusionismos, a serviço dos interesses da banda mais insensível e selvagem do capitalismo.
A CLT, a famosa carteira assinada, que já foi aspiração de 10 em cada 10 jovens pobres que chegavam ao mercado de trabalho, hoje sofre uma campanha de demonização por setores da chamada extrema-direita brasileira.
As metamorfoses do novo mundo da comunicação, do trabalho e do novo capitalismo contemporâneo produzem não apenas novas modalidades de trabalho precário, mas também novos valores e ideologias que naturalizam e glorificam a instabilidade laboral como liberdade e autonomia.
Esta reconfiguração ideológica penetra inclusive no imaginário infantil, juvenil e no de adultos pobres, através de múltiplos canais, especialmente as redes sociais na web e nos aplicativos de mensagem. CLT começa assim a virar um tipo de xingamento para humilhar pessoas.
Só quem é pobre sabe o valor dos direitos garantidos pela CLT para uma mínima ascensão social e qualidade de vida. A CLT, muitas vezes, garante aquele dinheiro do décimo terceiro para fazer um sanitário em lares onde não se tinha onde fazer as necessidades fisiológicas.
A CLT é aquele extra para melhorar o quarto das crianças, para consertar o telhado ou fazer um curso para ascender numa carreira. Ou seja, o ganho do trabalho não pode ser só para a sobrevivência cotidiana, mas também deve representar alguma acumulação de poder aquisitivo para dar direito a um projeto de vida e transformar a realidade do trabalhador e da trabalhadora.
Na ânsia insana de querer vender esse empreendedorismo individualista, o sonho de ser dono do seu próprio negócio, de acabar com direitos de quem trabalha, de desvalorizar o valor do trabalho, cria-se um falso enfrentamento entre empreender ou ser empregado de carteira assinada.
Ser autônomo não é garantia de felicidade e enriquecimento. Assim como trabalhar com a carteira assinada não é fracasso ou vergonha. Até mesmo porque muita gente é empreendedora dentro de empresas, crescendo como profissional e ajudando as corporações onde atuam a ficarem cada vez mais ricas.
Essa satanização da CLT faz parte de um retrocesso no processo civilizatório do Brasil e da humanização de todas as nossas relações, não apenas as trabalhistas. É preciso estar atento e combatente. CLT é qualidade. É algo a ser aperfeiçoado, adaptado ao novo mundo e nunca avacalhado ou desqualificado.