Foto: Tarso Sarraf/Assembleia Legislativa do Pará
Nesta semana, a jornalista Franssinete Florenzano publicou em seu site a notícia “A impunidade chocante de Seffer” sobre o andamento do processo que condenou o ex-deputado estadual, Luiz Afonso Sefer, a 21 anos de prisão. No dia 19 de fevereiro, o desembargador Alex Centeno, primo do govenador e indicado por ele para o Tribunal, pediu voto-vista no julgamento,, e acolheu o pedido de nulidade do processo, contrariando a ordem do Superior Tribunal de Justiça.(Leia a matéria da Franssinete para entender)
Depois de 20 anos, muitos talvez não se lembrem ou não saibam os detalhes deste crime hediondo cometido contra uma criança de, na época, 9 anos de idade. Extraímos os depoimentos de testemunhas, da vítima e o laudo pericial que consta na decisão do ministro Joel Ilan Paciornick, do Superior Tribunal de Justiça, para rememorar os detalhes de caso e pedir por Justiça. (Depoimentos retirados da íntegra da decisão no site do jornalista Lúcio Flávio, publicada em abril de 2018.)
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ALERTA: GATILHO. Este texto contém descrições de atos de violência contra criança.
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Depoimento sobre a ida da criança para Belém
Também de suma importância são os depoimentos prestados por Joaquim Oliveira dos Santos, Estélio Marçal Guimarães e João Raimundo Amaral Pimentel. Segundo eles, o acusado teria “encomendado” uma criança do sexo feminino com idade entre oito e dez anos. E, como bem ponderado pela Magistrada Singular, tal fator denota premeditação criminosa (fl. 1594).
A propósito, cito excerto do depoimento de João Raimundo Amaral:
” […] QUE tudo o que declarou na Policia é verdade; QUE quando o acusado disse que precisava de uma pessoa disse que ele disse que tinha que ser uma criança do sexo feminino; QUE tinha que ser urna criança; QUE não lembra com precisão, mas que tinha que ser entre oito e dez anos; QUE a criança era para fazer dama de companhia para a filha do acusado; QUE em conversa na Assembleia o deputado pediu para arranjar essa criança e disse que quem poderia arranjar era Joaquim e quem arranjou a criança foi o Joaquim; QUE apenas trouxe a criança; QUE Joaquim lhe informou que tinha arranjado a criança pedindo que trouxesse para Belém e assim fez; QUE foi apanhar a criança no bairro da Pratinha e quem lhe entregou a criança foi a avó Tereza […]”
“[…] QUE todas as declarações prestadas são verdadeiras; QUE é verdade que o deputado Sefer pediu uma criança entre nove e dez anos; QUE não conhece os familiares de Sefer e não sabia que ele tinha filha e que o conheceu através de Estelio; QUE a família da criança não se opôs da criança vier para Belém na casa de Sefer, inclusive ela veio muito rápido; QUE a sua cunhada Marlene é parenta do pessoal da vítima e foi ela quem conversou com a Tereza, avó da criança tia legítima de Marlene […]” (fls. 1594/1595).
Sobre mencionada “encomenda”, o réu procura justificar-se, aduzindo tê-lo feito por uma questão filantrópica, sendo seu intento apenas fornecer educação e melhores condições de vida à criança.
Contudo, o que se observa, no caso, é que tal justificativa não encontra respaldo nas demais provas alinhavadas na sentença e no aresto objurgado. As supostas intenções filantrópicas do acusado são contrariadas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas Maria de Lourdes Lima Souza e Christiane Ferreira da Silva Lobato.
A testemunha Maria de Lourdes aduz: “que as vezes que via Silmara [vítima] a mesma sempre trajava roupas simples, calça jeans e blusinhas; “que nunca viu Silmara chegar em carros particulares, pois sempre estava trabalhando”; “que estranhava o fato de Silmara nunca ir para o colégio”; “que Silmara sempre acompanhava as sobrinhas da depoente quando iam para o colégio e então perguntou a mesma pelo fato de não ir ao colégio, tendo esta respondido que não ia porque não tinha uniforme”; “que achou estranho o fato de Silmara ser sobrinha de uma pessoa de posse e ir para o colégio a pé” (fls. 1592/1593).
Por sua vez, a testemunha Christiane Ferreira (Delagada de Polícia que presidiu o Inquérito Policial) alega: “que quando foi ouvir o Deputado e a mulher dele sobre o caso, respondeu que ele não tinha nenhuma informação acerca da adolescente, nome de pai, ou mãe, ou onde residia”; “que o acusado relatou que a adolescente era problemática e apresentava comportamento diferenciado e perguntou a ele se ela já tinha sido assistida por algum psicólogo e ele respondeu que não que em todo este tempo ela só teve um atendimento odontológico”; que os filhos do acusado estudavam no colégio Nazaré, frequentavam clubes e academias enquanto que adolescente estudava no colégio do governo e nunca ou de ano” (fls. 1597/1598).
Depoimento de testemunhas
A sentença ainda registra o depoimento de Djania Maria da Silva Cesar, quem teria acolhido a vítima em sua residência, quando esta fugiu da casa do acusado. Asseverou referida testemunha que a ofendida lhe relatou os abusos que vinha sofrendo por parte do acusado. Nessa ocasião, a vítima lhe confidenciou que o acusado fazia com ela “saliências pela frente e por trás“, além de colocar o pênis em sua boca. A testemunha também alude que a vítima lhe disse “que não contava a ninguém porque era ameaçada pelo acusado “, que dizia “que iria matar os familiares dela, inclusive a pessoa para quem ela contasse ” (fl. 1590).
Ainda consta da sentença o depoimento da testemunha Cláudia Pinheiro Alves, assistente social, que, segundo declara, “realizou o atendimento da menor e percebeu que esta demonstra grande abalo emocional, além de ter relatado com firmeza os fatos criminosos “. A propósito, cito trecho do depoimento (fl 1595):
“[…] QUE relatou na entrevista que no primeiro dia não foi abusada, mas que no segundo dia foi violentada; QUE relatou o fato a empregada doméstica e a empregada contou para o deputado e a adolescente foi espancada, que na época era criança; QUE a adolescente foi levada ao quarto e o acusado abriu as pernas delas e colocou um ferro na genitália dela, e a criança pedia para ela parar e ele não parava e que ele a usava de todas as formas e dava remédio a ela para ela não engravidar; QUE o acusado fazia sexo oral, vaginal e que uma certa ocasião ele queria chamar uma terceira pessoa e ela disse que não e ele concordou; QUE no momento que atende uma vitima criança, procura ouvir só o necessário para os procedimentos;
QUE não pediu mais socorro para ninguém; QUE havia pedido socorro a primeira vez para a empregada; QUE é Assistente Social […]”.
Depoimento da vítima
Conforme se extrai da sentença, a vítima, quando ouvida em sede policial, narrou com riqueza de detalhes a dinâmica delitiva, e, um ano após a ocorrência dos fatos, doravante em juízo, ratificou suas declarações, segundo as quais fora estuprada pelo acusado durante quatro anos.
Perante a autoridade policial, a vítima narrou (fl. 1585):
“[…] que, nos primeiros dias dos abusos sexuais, SEFFER toda noite ia para o quarto da informante e metia tal ferro e as vezes só o dedo e ava a beijá-la e ar a mão em seu corpo; Que, aproximadamente depois de uma semana SEFFER ou a lhe estuprar de verdade, lhe penetrando a vagina, mandando fazer sexo oral, o qual ejaculava em sua boca e a informante cuspia, tendo SEFFER mandado a mesma engolir; Que SEFFER antes de lhe violentar por trás, usou o ferro para abrir seu ânus e depois lhe penetrava; Que a informante sentia muita dor, mas não conseguia sair de baixo dele; Que a informante gritava mas SEFFER mordia suas costas, suas mãos e pescoço; Que, SEFFEr chupava sua vagina e metia o dedo, também , também metia o dedo sem eu ânus […]”
No mesmo sentido, a ofendida relata em Juízo (fl. 1585/1586):
“[…] que chegou na casa do réu com a roupa do corpo e depois o réu comprou roupas para a declarante; que o réu chegava no quarto e já ia pegando a declarante; que no início isso acontecei todas as noites; que o réu chegava no quarto da declarante só com um pijama, mas nos primeiros dias ele não tirava a roupa; que após alguns dias, o réu tirava a roupa e introduzia o pênis, sem camisinha; que os fatos aconteciam sempre à noite; que os filhos do réu estavam em casa; que o réu ejaculava em cima da declarante e sempre dizia para a declarante não contar para ninguém […]”
“QUE: confirma as declarações de fls 08 a 11 dos autos. QUE: tinha 09 anos de idade quando veio a Belém. QUE: foi trazido de Moca juba para Belém por seu Stélio Joaquim . QUE: Só conheceu o senhor Stélio. QUE: chegou a casa de Seffer. QUE:não conhecia a Seffer e este não tinha feito nenhuma visita a sua família. QUE: avó de dela disse que viria a Belém para servir de companhia para a filha do acusado. QUE: quando chegou na casa do acusado estavam: Cilene os dois filhos: Gustavo e Rafael. QUE: na época Cilene tinha 11 ou 12 anos de idade. QUE: conversou com Cilene. QUE: Cilene trabalhava como empregada. QUE: vinha sofrendo ameaças pois não queria mais fazer .QUE: não queria mais ficar naquele lugar. QUE: foi abusada sexualmente pelo Seffer e pelo filho dele, Gustavo. QUE: todos os fatos se davam não só no apartamento em Belém mais também no Rio de Janeiro, em Salinas. QUE: os abusos consistiram da forma que constam no depoimento que acabou de ouvir […]”..
O acórdão recorrido também registra que a vítima prestou, ao todo, seis depoimentos, oportunidades nas quais apresentou a mesma versão dos fatos, no sentido de que “no segundo ou no terceiro dia o apelante iniciou os abusos sexuais, que envolveriam introdução de objetos na vagina, além de cópulas vaginal, anal e oral, que teriam perdurado por quatro anos” (fl. 1845).
Laudo da perícia
Ademais, há registrado na sentença (fl. 1596) e no acórdão recorrido (fl. 1848) laudo pericial que atesta vestígios de violência sexual. De acordo com o depoimento prestado pela perita Maria Francisca Alves, ratificado pela perita Ângela Olívia da Silva Costa, as alterações genitais e as alterações da região anal que estavam presentes na pericianda coadunam-se com o histórico da vítima. Por oportuno, transcrevo trecho do depoimento:
“QUE juntamente com a outra perita observaram que a vítima apresentava lesões características de violência sexual antiga, como consta no laudo elaborado; QUE ouviu a adolescente relatar que sofreu abuso sexual tanto vaginal como anal; (…) QUE a adolescente disse que quem fez aquelas coisas com ela era o dono da casa onde morava que era o Deputado Sefer; QUE em nenhum momento a adolescente disse ter sido abusada por outra pessoa a não ser pelo deputado; (…) QUE as perguntas na qual consta as características (sic) de letra ‘f’ esclarece que a vítima disse ter sido violentada aos nove ou dez anos, daí com o ar do tempo ficam só as cicatrizes das lesões sofridas; (…) que a confirmação da violência sexual é um conjunto de elementos que o perito se apoio (sic) para afirmar, são as alterações genitais e as alterações da região anal, que todas duas estavam presentes na pericianda, com características de antiguidade e corrobora com o histórico da vítima” (fls. 1848/1849).
Ainda há anotado no acórdão increpado (fl. 1848) laudo pericial que atesta que a vítima possui “ânus dilatado infundibuliforme, com alteração do pregueamento e lesões cicatrizadas em quadrantes anterior e posterior, sugerindo provável cópula ectópica anal antiga”. Segundo as peritas que elaboraram o laudo, a expressão “‘ânus dilatado infundibuliforme’ significa que ocorreu penetração crônica e permissiva no canal anal. A reiteração de coitos anais dá ao esfíncter um aspecto de funil, o que pode ser facilmente constatado “. As peritas ainda aludem que “a dilatação anal é consequência de penetração local, seja através cópula ou de introdução de objetos, desde que de forma crônica”, fator que vai ao encontro dos relatos prestados pela ofendida, que sempre afirmou sofrer abusos por parte do acusado desde o segundo dia em que com ele ou a residir, e que tais abusos perduraram durante quatro anos.