Conduzindo um trator, Helder Barbalho destrói muro que protegia área de floresta preservada e que será desmatada. Foto: Bruno Cruz/Ag. Pará
Igarapés, olhos d’água, árvores centenárias e animais silvestres como iguanas, macacos-prego, tucanos e cobras estão sob a ameaça por conta de uma obra em Belém, contraditoriamente atribuída à agenda da COP 30. No último dia 17, mesmo dia em que o governador do Pará, Helder Barbalho, decretou estado de emergência climática no estado em razão das queimadas, ele também assinou a Ordem de Serviço para o início da duplicação da Rua da Marinha, no bairro da Marambaia, que inclui um anel viário sobre o Igarapé São Joaquim com pista de o à Avenida Centenário que irão suprimir 34,92 hectares de duas áreas de vegetação preservada: a conhecida “área da Marinha” e o Parque Ambiental Gunnar Vingren.
A obra foi iniciada sem nenhuma licença ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), da Prefeitura de Belém. Todas as licenças liberadas para a Secretaria de Estado de Obras Públicas (Seop) executar esse projeto foram emitidas a toque de caixa, na mesma data, último dia 26 de agosto, pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Ou seja, o próprio governo do estado “autorizou a si mesmo” para a fazer a obra em tempo recorde e à revelia da autoridade municipal.
Uma Ação Civil Pública ajuizada pela 1a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo, do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), contra o Estado do Pará, no último dia 11 de setembro, visa impedir a obra anti ambiental. O pedido de liminar aguarda a apreciação do juiz da 5a Vara da Fazenda Pública da Capital, Raimundo Santana. A ação do MPPA foi provocada pela Associação dos Moradores do Conjuntos Médici I e II (AMME), que denuncia a ausência de estudos de impactos ambiental e de vizinhança, o suprimento de vegetação do parque ambiental sem licença do Município e sem o aval do Legislativo.
Autorizadas a supressão vegetal e a captura de animais
A Licença Prévia (n.2019/2024) (veja aqui) e a Licença de Instalação (n. 3510/2024) (veja aqui) da Semas atestam a “viabilidade ambiental e locacional” e autorizam a “requalificação ambiental” (como é denominada a supressão vegetal nesses documentos) para o prolongamento e duplicação da Rua da Marinha, no município de Belém. As próprias licenças da Semas expressam ao final que as mesmas “não eximem o empreendedor (governo do estado) da obtenção de outras licenças e autorizações de competência municipal, estadual ou federal cabíveis no empreendimento.”
Estão previstas 6 faixas de rolamento com 3,5 quilômetros de extensão. Um dos pontos centrais da obra serão as pistas duplas elevadas margeando o Igarapé São Joaquim nos dois sentidos, sendo que uma pista vai interligar a rotatória à Avenida Centenário, ando por dentro do Parque Gunnar Vingren, enquanto outra pista vai ligar a rotatória à Augusto Montenegro pela área da Marinha. Nenhum imóvel será desapropriado.
As Autorizações (n. 5639, 5640 e 5641/2024) (clique em cada uma para ver) permitem a “supressão de área correspondente a 34,92 hectares”; “a captura, coleta, resgate, transporte e soltura de fauna” incluindo a área de supressão vegetal mencionada, ou seja, o documento sugere que a captura desses animais pode ir além da área autorizada para a fazer a obra; e, ainda, dá o aval para a “captura, coleta, resgate, transporte e soltura de fauna para fins de monitoramento da fauna silvestre, terrestre e da biota aquática em área de influência correspondente a 295 hectares referente à instalação da atividade de requalificação ambiental”.
A secretária municipal de Meio Ambiente, Christiane Ferreira, sustenta que a retirada da cobertura verde na área de proteção ambiental e o possível aterramento de áreas de igarapés, várzea e igapós pode impactar a biodiversidade e degradar a fauna e a flora. “Não ouviram a Prefeitura. Entendemos que isso não está certo”, conclui.
Perícia do MPPA confirma dano ao parque ambiental

Em resposta à ação do MPPA, o estado negou que a obra vá afetar o Parque Gunnar Vingren, mas uma perícia determinada pela Promotoria e cumprida pela analista do parquet, engenheira civil Maylor Lédo, confirmou que “o prolongamento da Rua da Marinha (trecho entre a rotatória do Canal Joaquim e a Av. Centenário) está fora dos limites do Parque Ambiental Gunnar Vingren, mas em localização limítrofe a ele, porém, parte da rotatória e da via marginal do Canal São Joaquim estão dentro dos limites do parque, conforme constatado na Análise Técnica n.º 1161/2024”. Ou seja, a obra em questão resultará em prejuízo à unidade de conservação.
Ainda, a Associação de Moradores aponta possíveis prejuízos aos recursos naturais (veja aqui) existentes na área do Residencial Bosque Felicidade, situado às margens da Augusto Montenegro, que é abrangida pelo projeto do estado. Pois o local possui 5 nascentes de água e um riacho originário da Bacia do Una, que desemboca na Baía do Guajará pelo Igarapé São Joaquim.
Governo acelera o início da obra para não ser atrapalhado pela Justiça
Inicialmente, a pasta ambiental da Prefeitura negou a licença para a obra da Rua da Marinha. O estado cancelou as licitações iniciadas para a contratação das empresas que executariam a obra, mas abriu novas licitações em maio deste ano, com o mesmo objetivo, após um ajuste no projeto.
Na ação ajuizada, o promotor de justiça Benedito Wilson de Sá (veja aqui), destaca que cabe ao Município de Belém definir espaços territoriais a ser especialmente protegidos, como se deu com o Parque Gunnar Vingren, criado pela Lei Municipal n° 7.539/91. No pedido de tutela de urgência, ele pede a nulidade da Concorrência Eletrônica n.º 90013/2024- L/SEOP que culminou com a contratação da empresa responsável pela obra, sob pena do pagamento de multa de R$ 100 mil. E, no mérito da ação, o promotor requer que seja determinada ao estado do Pará a obrigação de não fazer qualquer obra que resulte em supressão vegetal ou intervenção no Parque Gunnar Vingren sem que haja licença do Município de Belém, autorização legislativa municipal e realização de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) com consulta da comunidade local interessada.
Sobreposição de obras no Parque São Joaquim
Não param por aí os problemas da obra imposta pelo governo Helder Barbalho à revelia do meio ambiente, do Município e da comunidade. O projeto do anel viário invade o canteiro da construção em andamento do Parque Urbano São Joaquim, pela Prefeitura. A obra integra o hall de investimentos planejados para a COP 30 em conjunto com o governo federal, por meio da Secretaria Extraordinária atrelada à Casa Civil da Presidência da República.
Orçado em R$ 173 milhões, o Parque São Joaquim conta com recursos federais (da Itaipu Binacional). A elaboração do projeto é resultado de um concurso nacional realizado em 2022, pela Prefeitura. O São Joaquim vai se tornar um parque linear, ou seja, que vai acompanhar e respeitar o curso natural do igarapé, com serviços de macrodrenagem, paisagismo e urbanização do entorno para transformar o local em um polo de lazer, turismo e economia solidária, além de uma verdadeira referência ambiental, que vai contemplar a paisagem natural e a paisagem humana, beneficiando mais de 500 mil pessoas.
E não é só esta obra que está ameaçando a comunidade com supressão vegetal e destruição da fauna, tem também a construção da Avenida Liberdade, que já desmatou milhares de quilômetros quadrados e ninguém fala nada, ela está rasgando lá do Guamá e vai até a Alça Viária pelo mato, um desrespeito com o meio ambiente em pleno ano às vésperas da Cop 30.
Excelente reportagem, parabéns .
Um absurdo grotesco: a falácia da melhora da qualidade de vida eliminando incontáveis vidas, dos microorganismos às arvores e aos animais, além da diminuição dessa mesma qualidade de vida! É o poder destruidor do Capitalismo continuando a sua missão de destruir a Terra.
Parabéns pela reportagem que mostra o fato quam grave ele é.
Parabéns pela artigo. É muito bom quando a populacao se manifesta protegendo a natureza e as pessoas que precisam dela – natureza – preservada, para sua sobrevivência saudável.
Não é aceitável que se destrua o meio ambiente por um evento de pousos dias. Evento esse que chama atenção do mundo inteiro pela preservação e sustentabilidade do meio ambiente.
Que mais vozes e órgãos públicos se manifestem denunciando e exigindo mais seriedade com a nuteza. Estamos vendo tudo o que está acontecendo nas nossas florestas, não é possível que certas pessoas e grupos ainda não tenham entendido o perigo que nós cerca.
A questão é a mesma abordada na A. Existe EIA/Rima pra isso? E as licenças?
Infelizmente estamos vivendo um retrocesso enooorme em termos de preservação do verde, da fauna e flora. Impactamos e nos tornamos pacatos diante de tantas atrocidades desse governo dos Barbalhos que não tem compromissos com preservação e conservação de vidas que dependem desse espaço. Eles só pensam em si próprios e seus bolsos cheios de dindim. Não temos mais forças para lutar, mas temos prá tira-los do poder, com nosso voto. Parabéns pela matéria, às claras.
Toda essa destruição da natureza só visa uma coisa: lucro financeiro. Um absurdo. Uma contradição com o COP30.
Terrível não cabe no mesmo homem o protetor e o que destrói….falta de respeito com meio ambiente o pior são as consequências
Pra isso que este governo quer um fantoche no comando ds prefeitura de Belém. Um “sim senhor,” aos devaneios urbanísticos do patrão. Sem contar com projetos condomíniais que já devem ter sido elaborados em algum tipo de confraria.
Muito obrigada por esta materia. Chego a ter vergonha alheia e é no mínimo decepcionante um governo que discursa a “favor” do equilíbrio e respeito ao meio ambiente em vários países, a menos de um ano da cop fazer algo assim. Espero que todas a medidas sejam tomadas para defender a flora e fauna deste lugar.
Muito difícil imaginar que haja independência por quem de direito, para tentar impedir essa obra e toda a destruição que implica.
Afinal, há muito dinheiro envolvido. Então, … $$$ …
[…] Governo do Pará destrói áreas verdes, em obra na rua da Marinha sem estudo de impacto nem licenç… […]